A que ponto chegamos?
Ontem saiu na coluna Gente Boa um desabafo do Eduardo Moscovis, ator carioca, sobre a invasão dos paparazzi em sua vida. Um desabafo lúcido, coerente, justo, e eu acrescento por conta própria: cheio de razão. Seguem alguns trechos.
“Esse é um documento-desabafo, um pedido de ajuda, uma denúncia e/ou simplesmente, um relato. Não quero parecer egoísta nem alheio a nossa crítica realidade, por isso peço que sejam tolerantes se acharem que o que me angustia é pouco ou de menor relevância diante das barbaridades, injustiças e impunidades.
Necessito compartilhar esse momento publicamente. Aliás, é sobre esse termo e suas várias interpretações que gostaria de discutir: o que é ser público? Aparecer em milhões de aparelhos de TV me torna pessoa reconhecida publicamente, mas o que isso quer dizer exatamente? Que devo acatar qualquer tipo de abordagem, educada ou não, a qualquer momento? Como devo agir quando percebo estar na mira de celulares com câmeras de altíssimo alcance e refinamento tecnológico?
“Tu não é público? Paga esse preço”, costumo ouvir. (...) Mas, as revistas especializadas oferecem um cachê (ou seria uma recompensa?) caso você, “mortal comum” ao se deparar com um desses que são públicos, bata uma foto. Essas revistas estimulam um comportamento furtivo, invasivo e desrespeitoso, incitando os leitores a serem paparazzi, também. Como distinguir quem é o fã?
(...) Há pouco mais de um mês, fui interceptado pelo meu vizinho dos fundos. Ele me contou ter sido abordado por fotógrafos, que lhe ofereceram dinheiro para deixar que fotografassem o quarto das minhas filhas e do bebê que vai nascer. Semana passada, a mãe de uma atriz e uma diretora de teatro, também vizinhas, me disseram ter recebido a mesma oferta de ‘fotógrafos especializados’.
(...) Devo ainda fechar as cortinas e viver enclausurado porque pode ser que haja em algum apartamento próximo alguém empenhado em expor minha família? Dentro da minha casa? Podem me fotografar com minhas filhas em qualquer lugar, sem a minha autorização? Podem mostrar o rosto delas? Mesmo menores? EU sou a celebridade e não elas.
Porque, quando sai a foto de um ser humano de 16 anos que arrastou um anjo inofensivo por
(...) Aproveito para agradecer aos vizinhos que me alertaram e peço aos outros que não cedam a esse assédio desqualificado e desonroso. Que nós consigamos nos manter a parte disso tudo. (...) Independente de QUEM somos.
Ao mesmo tempo, um rosto de bebê, de criança, de filha ou filho pode ser exposto por aí, devassado, massacrado, usado para vender revistas e todo mundo acha isso normal? Bom, há a velha desculpa, a indústria não se faz sozinha, se há quem vende é porque há quem compra.
Mas onde ficam os direitos das pessoas no meio disso tudo? Não está certo o Eduardo Moscovis, em querer - e ter o direito - de ter privacidade dentro da sua própria casa?
Em épocas de Daniellas, Suzanas Vieiras, BBBs, às vezes não sei pra onde olhar. Onde foi que paramos de nos preocupar com o que é realmente importante e começamos a dar tanta importância ao inútil?
Em que ponto da linha do tempo a violência entrou nas nossas vidas de uma tal forma que nos acostumamos com ela? Quando foi que todo jogador de futebol começou a achar que podia reclamar de qualquer marcação de juiz? Quando foi que jovens começaram a tranquilamente planejar crimes e vender drogas pela internet? Quando foi os menores de 18 passaram a ir pra noite cada vez mais cedo, encher a cara por aí, e os pais acharem tudo normal? Quando foi que passamos a trocar de caminho, ao voltar pra casa, para evitar um determinado sinal? Quando foi que as pessoas passaram a achar graça em assistir a vida de pessoas confinadas, tramando o tempo todo umas contra as outras?
Sim, eu sou tão culpada quanto qualquer um por aí, porque não tomo nenhuma atitude a respeito. Aliás, não faço a mínima idéia de qual atitude tomar. Mas eu não consigo achar normal. Ah, isso não. Eu não consigo me adaptar a esse mundo novo.
Talvez eu esteja apenas ficando velha. Velha o suficiente apenas para me perguntar "A que ponto chegamos?" e não fazer mais nada. Mas alguém fez essa estrada cruzar o meu caminho; não é nela que estou andando, e não é por ela que vou seguir. Isso, sem dúvida alguma.
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