quinta-feira, setembro 29, 2005

Cora Rónai

Hoje reproduzo aqui uma boa parte da coluna de Cora Rónai, no Globo, uma das minhas leituras semanais.
Não houve como não me identificar com o que ela escreveu, não só por ter passado recentemente pela minha primeira experiência efetiva de "tentativa de assalto" (graças a Deus por alguém não só desarmado mas bastante ingênuo, ao que me pareceu), mas também porque essa dúvida muitas vezes já me passou pela cabeça e certamente também pela de muitos cariocas como eu: por que continuamos aqui, vendo essa cidade ruir?


Purgatório da Beleza e do Caos http://oglobo.globo.com/jornal/colunas/cora2.asp

(...) Muitas vezes, ao longo dos anos, assistindo a cenas de guerra pela televisão, me espantava com pessoas que insistiam em continuar vivendo no inferno. Não aquelas pobres pessoas destituídas, claro, que nascem e morrem sem qualquer poder de escolha; mas as de algumas posses, que em tese poderiam vender casa e carro, por exemplo, e recomeçar a vida em canto mais sossegado.

Enquanto eu me perguntava como alguém podia continuar a viver em Beirute ou em Jerusalém, minha própria cidade ia se encarregando da resposta. Salvo em guerras declaradas, o cerco da violência é sutil, gradual. Um dia é um assalto aqui, no outro uma morte ali. Mal reparamos quando começamos a evitar as linhas de ônibus mais perigosas, quando deixamos de sair a pé à noite, quando a uma da manhã já mal se vê gente em pontos onde, antigamente, esta era a hora em que a festa começava. O som dos tiroteios vai se integrando à cacofonia urbana, e passamos a achar normal o barulho dos fuzis e metralhadoras que vem dos morros.

Como é que alguém pode viver numa cidade odiada pelo presidente, abandonada pelos governadores e esquecida pelo prefeito? Como é que alguém pode viver numa cidade onde não existe mais segurança alguma, ou vestígios de qualquer coisa semelhante à ordem? Como é que se pode viver numa cidade tomada pela bandidagem e pelas ervas daninhas, suja e esburacada, cheia de mendigos, assaltantes e menores de rua que metem medo até na polícia? Como é que se pode viver numa cidade onde a polícia federal — a polícia federal! — é roubada diante de todos?!

Por que não vamos embora deste inferno para um lugar decente, onde se pode viver em paz, andar pelas ruas a qualquer hora do dia ou da noite e usar transporte coletivo sem risco de vida? Por que nos sujeitamos, de livre e espontânea vontade, ao descaso e ao cinismo das autoridades, à angústia, à violência?

Passei duas semanas na Europa vivendo como, em tese, deveriam viver todas as pessoas do planeta, andando pelas ruas sem medo ou desconfiança. Pude usar minhas câmeras e celulares, andei em bicicletas maravilhosas que jamais sonharia ter aqui, saí com meu relógio de estimação sem receio de que o levassem na primeira esquina. Vivi duas semanas feito gente e, confesso, achei muito bom. O problema é que não vivi na minha língua, não vivi na minha cultura, não vivi na minha querência. Ser turista é ótimo, mas ser estrangeiro não é.

O Rio nunca esteve tão mal, tão triste e tão desamparado; nunca estivemos tão por baixo, tão submissos e acabrunhados. Mas a geografia desta cidade está indelevelmente gravada no meu DNA, e a conversa das ruas é a trilha sonora da minha vida. Para não falar na familiaridade com a beleza, este raro privilégio que temos nós, cariocas, pelo simples fato de vivermos aqui. Há gente que vem de todos os lugares para ver, por alto, o que nós conhecemos a fundo, o que é nosso e o que vemos e veremos todos os dias — até que um pivete nos mate por uma bobagem, a polícia nos acerte por engano ou uma bala perdida nos encontre, só assim.


Hoje eu entendo quem morava em Beirute, quem vive em Jerusalém, quem insiste em não sair de Bagdá.

segunda-feira, setembro 26, 2005

Primavera dos Livros

Este final de semana fui à Primavera dos Livros, feira que reúne pequenas editoras, no Jockey. Que delícia ver os cariocas passeando em torno de livros, conversando, comprando. E crianças reunidas ouvindo estórias...
O Jockey é um lugar bonito e seu aproveitamento como local de eventos foi uma grande idéia. Jà fui a vários eventos lá e sempre adoro, até pela própria atmosfera do lugar.
Mas, voltando aos livros, comprei o de sempre pra mim: dois livros de poesia. Mais um livro técnico e um de presente para minha sobrinha.
Um dos livros que comprei foi o "Olho Frenético" do Mauro Sta. Cecília, autor da "melhor declaração de amor brasileira dos últimos dez anos", segundo Arthur Dapieve: "Por Você", musicada pelo Barão Vermelho.
Sou absolutamente contra interpretar ou explicar poesia, portanto apenas copiarei aqui uma que me atingiu direto no peito. Não espero que o mesmo que aconteça com todos, mas eu gostei! :)


(In) Sensatez

daquela loucura maravilhosa
quero muitas lembranças
e nenhum vestígio

quinta-feira, setembro 22, 2005

Aos 16

Me lembro que foi aos 16 anos que escrevi essa poesia. Até hoje não possuo o bom hábito de anotar as datas, mas essa sei pelo menos em que ano foi... E também me lembro que sentei à máquina de escrever (Deus, nessa época nem computador havia!) e digitei de uma tacada só os versos que me saíam da cabeça.
Talvez tenha sido a única vez em que isso aconteceu até hoje. E eu nunca revisei ou tentei mudar alguma coisa nela. Na verdade, nem gosto dela tanto assim, mas a guardo pelo inusitado da coisa.
Não quero perdê-la nem esquecê-la, e é só por isso que ela está aqui hoje.


Paixão. Paixão e falta de clareza.
O eu. O eu misterioso e inculto,
O lado oculto da lua que brilha, suprema,
Sobre a luz do sol.
A vida. Pobre, insípida vida.
Caco de xícara estraçalhado no cimento,
Inútil, fútil vida desvalorizada.
Os soldados marcham na Terra lama,
Areia movediça de seus pensamentos.
Eles escondem suas faces, com vergonha
De sua imbecil função. Disfunção.
Apaixão – meu navio – naufraga
Nas águas do meu sofrer.
Viver! Como? No meio da lava
De vulcões precocemente extintos?
O amor se arrasta. Morre de sede,
Não há mais condições de sobrevivência.
Só há um sopro de oxigênio,
E todos morrem por ele.
Disputa inútil, mas importante:
Ao menos é algo para fazer.
Não à ilusão:
Mesmo a lua, num eclipse apoteótico,
Sucumbe ao vasto calor dos sóis,
Que se multiplicam aos milhões.
Paixão. Paixão e falta de clareza.
Foram as minhas últimas palavras.

domingo, setembro 11, 2005

Tudo o que eu devia saber na vida aprendi no Jardim de Infância

Hoje estava lendo uma reportagem no Globo, intitulada "Não dói dizer ‘por favor’, ‘obrigado’ e ‘bom-dia’" e me lembrei desse livro do Robert Fulghum - Tudo Que Eu Devia Saber na Vida Aprendi no Jardim-de-Infância.
A matéria fala sobre a crescente falta de educação dos cariocas, constatada em conversas com profissionais que lidam diretamente com o público. Tudo bem, esses profissionais muitas vezes também nos tratam pessimamente; mas isso já é outra história.
O Fulghum fala sobre coisas triviais, banais, mas nem por isso menos extraordinárias. Sobre o vizinho. Sobre as crianças. Sobre cartões de natal. Em uma das histórias do livro, está o "credo" dele, que aqui transcrevo.

********************************************
Tudo que eu preciso mesmo saber sobre como viver, o que fazer, e como ser, aprendi no jardim-de-infância. A sabedoria não estava no topo da montanha mais alta, no último ano de um curso superior, mas no tanque de areia do pátio da escolinha maternal. Vejam o que aprendi:

Dividir tudo com os companheiros.
Jogar conforme as regras do jogo.
Não bater em ninguém.
Guardar os brinquedos onde os encontrava.
Arrumar a bagunça que eu mesmo fazia.
Não tocar no que não era meu.
Pedir desculpas, se machucava alguém.
Lavar as mãos antes de comer.
Apertar a descarga da privada.
Biscoito quente e leite frio fazem bem à saúde.
Fazer de tudo um pouco - estudar, pensar e desenhar, pintar, cantar e dançar, brincar e trabalhar, de tudo um pouco - todos os dias.
Tirar uma soneca todas as tardes.
Ao sair pelo mundo, cuidado com o trânsito, ficar sempre de mãos dadas com o companheiro e sempre "de olho" na professora.

Tudo que você precisa mesmo saber está por aí, em algum lugar. A regra de ouro, o amor e os princípios de higiene. Ecologia e política, igualdade e vida saudável.
Escolha um desses itens e o elabore em termos sofisticados, em linguagem de adulto; depois aplique-o à vida de sua família, ao seu trabalho, à forma de governo do seu país, ao seu mundo, e verá que a verdade que ele contém mantém-se clara e firme. Pense o quanto o mundo seria melhor se todos nós - o mundo inteiro -fizéssemos um lanche de biscoitos com leite às 3 da tarde e depois nos deitássemos, cada um no seu colchãozinho, para uma soneca. Ou se todos os governos adotassem, como política básica, a idéia de recolocar as coisas nos lugares onde estavam quando foram retiradas; arrumar a bagunça que tivessem feito.
E é verdade, não importa quantos anos você tenha: ao sair pelo mundo, vá de mãos dadas, e fique sempre de olho no companheiro.

*******************************************************
Ingênuo? Infantil? Pode até ser. Mas eu queria - ah, como eu queria! - que a gente se lembrasse mais e se comportasse mais como quando ainda tínhamos a pureza das crianças...